
O afeto tomou conta da Fenadoce com o Família Acolhedora
Uma ação da Prefeitura levou para a Fenadoce relatos de duas mulheres que decidiram acolher crianças e adolescentes, temporariamente, em suas casas, por meio do Família Acolhedora. Uma adolescente também falou sobre como foi ser acolhida por uma família, e como a relação transformou a vida dela. Promovida pela Secretaria de Assistência Social (SAS), e realizada na noite dessa terça-feira (29), era possível ver lágrimas e olhos vermelhos entre os participantes.
Fotos: Volmer Perez
A secretária de Assistência Social (SAS), Raquel Nebel, explicou que aquele momento não era o lançamento do programa, ao qual Pelotas aderiu há oito anos, mas a apresentação de “uma nova formatação, que busca qualificar o atendimento e a proteção das crianças e adolescentes que hoje estão nos nossos abrigos institucionais e podem vivenciar a rotina diária de uma família, ser acolhida, ter atenção especial voltada para eles”. Ela afirma esperar que outras pessoas abracem a causa e recebam mais crianças e adolescentes.

Fotos: Volmer Perez
A programação, que inclui outras ações, que serão realizadas em diferentes espaços, com o objetivo de sensibilizar outras famílias a fazerem o mesmo: oferecer uma família a quem, por qualquer razão, está afastada da sua, até que a situação seja resolvida. Dessa forma, as crianças não precisariam viver em abrigos e teriam uma família para chamar de sua.
Luciana Lopes Pena participa do serviço há sete anos e pela família dela já passaram 47 crianças e adolescentes. Ela mantém contato com 12 deles. Quando se fala sobre oferecer um lar temporário, a maioria das pessoas pensa na dor da separação, mas com a experiência, Luciana explica que as crianças que voltam para a família de origem, ou ganham uma nova família, pela adoção, são acompanhadas por assistentes sociais, que levam notícias de como elas estão. “Quando eles estão indo embora, tu fica no desespero, tu chora, tudo acontece. Só que eu já ligo para elas [assistentes sociais do serviço], e digo: ‘por favor, me consegue outros’, e elas conseguem. Aí começa todo aquele corre-corre para cuidar das crianças que precisam mais de ti do que aquelas que estão indo embora, que já estão melhor”, sorri Luciana. E a certeza da missão cumprida também tranquiliza. “Tem crianças que vêm pra tuas mãos assim, com situação que é inacreditável. E, no começo, eles são mais fechados, quando tu começa a fazer carinho, e eles sentem que podem se abrir, eles confiam e começam a se abrir contigo, contar coisas que te quebram”, mas ela garante que quando saem da casa dela, parecem outras crianças, mais felizes e seguras, “é bem diferente, comendo de garfo e faca, direitinho, educados”, conclui.

Fotos: Volmer Perez
Carmem Regina dos Santos faz parte do Família Acolhedora há cinco anos. Ela conta que há alguns anos perdeu a filha de 16 anos e, em profunda depressão, pensou em adotar uma criança, mas percebeu que isso “não ia trazer a minha filha de volta, então eu conheci o programa e eu adorei, porque eu vou ajudar mais crianças, não vou ajudar só uma, vou ajudar várias crianças”, ela conta que muitas crianças, chegam sem muita noção de higiene, “então a gente muda aquela etapa entre eles voltarem [para a família de origem] ou ir para adoção. Então é muito gratificante, eu melhorei da depressão, eles preenchem a minha vida. Fez toda diferença na minha vida e creio que eu faço na vida deles”, avalia ao dizer que 18 meninos e meninas, desde bebês até os 14 anos, passaram pela vida dela nos últimos cinco anos, e que agora está cuidando de três irmãos que, em breve, serão adotados por outra família: “são crianças maravilhosas, crianças que só precisam de amor, de carinho. Quando eles chegam na casa da gente, nos primeiros dois meses é difícil, porque eles têm que interagir com a gente, e a gente tem que entender o lado deles, mas depois de dois meses, eles pegam um carinho, um amor por a gente e já não querem mais ir embora, querem ficar com a gente, por mim eu ficaria com todos, mas a gente não pode ficar”. Ela conta que a avó de um bebê de quem a família cuidou, e que começou a caminhar quando estava sob os cuidados deles, ganhou a guarda da neta. Ela não estava em casa e a filha ligou para avisar que precisavam entregar, mas que o pai estava chorando porque não queria. “Eu disse: ‘não, ela é da avó, tu tem que entregar’, sorri Carmem ao dizer que ainda tem contato com a menina e a avó. “Eu vou na casa dela, levo coisas pra ela, me dou super bem com a avó, eu sei que a avó é maravilhosa”. E Carmem pretende continuar acolhendo por muito tempo, “eu não sei mais ficar sem criança, esses dias disse: não, quando forem embora e eu vou ficar um mês parada. Que um mês, nada! Eu fiquei uma semana, limpei casa, fiz tudo tinha para fazer, e aí digo: o que vou fazer agora da minha vida? Aí eles já vieram e preencheram a minha vida”, conta Carmem, que hoje, além das crianças acolhidas, mora com o marido, mas quando começou a acolher, duas filhas ainda moravam com eles, e ajudavam com os cuidados com as crianças.

Fotos: Volmer Perez
Junto com as duas mulheres que acolheram estava Izabele Nogueira, de 17 anos, que chegou na família de Adriane Campos aos onze. Ela conta que no abrigo é muito diferente da vida em família “na família, tu tem uma mãe pra ti, que te dá atenção que te dê as coisas, que conversa contigo, que te entende. No abrigo, eram várias cuidadoras, não tinha como conversar. Tinha psicólogo, mas era totalmente diferente do que ter uma mãe em casa, uma pessoa que te dá atenção, que te leva nos lugares, que tá na reunião dos pais, sempre pode escutar, leva pra sair, janta e almoça contigo. Isso é totalmente diferente do que estar num abrigo. Não quer dizer que é ruim, mas é que tu não tem uma mãe contigo ali, eles tratam todo mundo igual, eles estão certos por tratarem todo mundo igual”, avalia a menina. Sobre a família, “eu adoro eles, sou apaixonada no meu dindo, minha dinda, são pessoas maravilhosas, me tratam super bem e amo poder ter a experiência de viver uma vida nova depois do que eu passei”, avaliou.

Fotos: Volmer Perez
Os filhos biológicos de Adriane, que ajudaram os pais nos cuidados da Izabele, no início da acolhida, hoje são padrinhos e uma das “paixões” dela. “Foi uma experiência incrível pra mim. Eu já conheci vários lugares, eu já fui pra mais de 12 praias em Santa Catarina, meu sonho, e todo aniversário eu peço pra ela pra fazer uma viagem”, para a menina que não conhecia o centro de Pelotas, foi uma realização, “a gente viaja e faz coisas incríveis. É um prazer estar com ela em todos os momentos da minha vida. Adriane a ajudou a nos trabalhos de escola, a encontrar um trabalho, hoje ela está no ensino médio, é Jovem Aprendiz, mas lembra de quando chegou no novo lar, “tava chovendo no dia, a gente fez cachorro quente, comeu, a gente tava conversando sobre o que eu queria pra minha vida”, contou a menina que pretende fazer direito e depois um concurso, pois sonha em ser delegada, e mais do que isso “eu pretendo ser Família Acolhedora porque eu vou pensar: eu já estive no lugar daquela criança, eu vou querer ser Família Acolhedora pra uma criança, pra um adolescente, pra um bebê”, e avaliou que é mais fácil conseguir uma família para bebês, e que os adolescentes são os que mais ficam em abrigos.

Fotos: Volmer Perez
Adriane conta que, no começo, o momento de entregar as crianças “era um sofrimento, eu ficava com receio, mas depois, com o tempo, tu vai entendendo o propósito do programa, que é ajudar, fazer eles caminharem pro lado do bem”. Se indicaria para outras pessoas participarem do Família Acolhedora? “Com certeza, me faz bem, é uma troca”.
A atividade foi aberta pela Orquestra Estudantil Municipal.