
Mulheres da pandemia: elas fazem cumprir a lei
Na cidade que há cerca de três anos implantou uma política pública alicerçada em acolher, educar e prevenir para reduzir a violência - o Pacto Pelotas pela Paz -, a pandemia consolidou o elo entre as forças de segurança e órgãos fiscalizadores. Os agentes, muitos deles mulheres, tiveram suas vidas modificadas pelo ato de criar consciência coletiva e, claro, punir os mais resistentes.
Desde 17 de março de 2020, data do primeiro regramento municipal relacionado à pandemia, já foram publicados 57 decretos. Mas o papel só ganhou força através do trabalho nas ruas, pela cruzada - ainda sem fim -, pelo uso da máscara, pelo fim das aglomerações, pelo distanciamento controlado, pelo cumprimento dos protocolos sanitários. Antes, a missão era prevenir o crime e há 12 meses, é salvar vidas.
De farda ou jaleco, em viaturas, ou no trabalho incansável de contagem e classificação de dados, as mulheres das forças de segurança e fiscalização, entre elas Guarda Municipal, agentes de Trânsito, fiscais da Prefeitura, Brigada Militar, Polícia Civil, Corpo de Bombeiros, entre outros, fazem parte desse contingente quase "sem descanso". Já foram cerca de 350 dias de fiscalizações pelas ruas, praças, parques, bairros, comércios, indústrias, da cidade, de acordo com o Observatório de Segurança Pública. Nesse caso, elas não são a maioria, mas ocupam espaços estratégicos, onde o gênero feminino se destaca pela resiliência e empatia.
Hoje você confere os depoimentos de mulheres que formam um "batalhão" que não tem hora para fazer cumprir a lei, pelo bem comum.

Adriana Sanches Pacheco, 38 anos, Guarda Municipal
"Além de guarda municipal, sou mãe, sou vó. Com a pandemia, a filha não está indo pra escola, está fazendo tarefas em casa, ou seja, minha rotina como guarda aumentou e em casa o cotidiano ficou bem mais complicado. Muitas vezes tenho que dar aula, tarefa que nada tem a ver com a minha profissão. Nossa carga horária aumentou em função das Operações Integradas. Eu não enfrento recusa na abordagem por ser mulher. Acredito que depende da chegada do agente em geral, sendo feminino ou não. Mas entrar em um bar onde tem, às vezes, 30 homens, e dizer que serão multados, não é uma notícia boa de se dar. (risos) Pra mim é difícil manter a feminilidade e vaidade, num cotidiano tão agitado. Uma mulher, hoje, dá conta do que ela quiser e se determinar a fazer, que seja analisada competência e não gênero".

Cristiane Duarte de Moura, 41 anos, agente fiscal da Vigilância Sanitária
"Nós, fiscais sanitários, somos pouco valorizados, talvez porque as pessoas não entendam qual é a nossa parte no Sistema Único de Saúde (SUS), por desconhecimento ou achar que o fiscal só vai para cobrar e "atrapalhar". Vigilância Sanitária não tem a visão de punir e sim de orientar, ajudar. Estamos sempre trabalhando, com qualquer bandeira. Até temos uma piada interna - "em qualquer bandeira estamos aqui. Preta, laranja, amarela, verde, pegando fogo a bandeira" -, ainda estaremos aqui, fazendo nossa parte. Outro fato que talvez não fique claro, é que somos, sim, linha de frente, pois estamos dentro dos hospitais, das UTIs, da UPA, fiscalizando, orientando, ajudando. A pandemia mudou meu comportamento nas vistorias, meu olhar enquanto fiscal. Ser mulher e ser fiscal ajuda, sim. Meu olhar "higiênico sanitário" está mais detalhista, além daquele olhar peculiar da mulher quanto à organização, à limpeza e ao pensar junto para achar solução. Acho que o maior desafio para uma fiscal mulher, seria o mesmo para todas nós mulheres, sermos respeitadas. Desejo que o medo de vestir uma roupa e pensar "será que serei assediada" seja algo que desapareça. Desejo, também, que assim como eu, nós, mulheres negras, não precisemos ter que provar que somos capazes para sermos reconhecidas".

Jessica Venzke Kerstner, 29 anos, agente de Trânsito
"Há uma resistência por parte da sociedade em reconhecer que somos autoridade, assim com um agente de trânsito do sexo masculino. Já ouvi: "era só o que me faltava, com 30 anos de profissão de motorista ter que receber ordens de uma guria!" Algumas pessoas usam estas palavras para nos inferiorizar enquanto mulheres, na expectativa de nos atingir com aquilo que foi dito, para que deixemos de realizar nossas atribuições. Como mulher não nego que me sinto inferior, porém creio que em momentos como esse, devemos mostrar que somos autoridade tanto quanto um agente do gênero masculino. Me sinto essencial, primeiramente como exemplo para outras mulheres de que as profissões não devem ser rotuladas por gêneros, e, também, porque acredito que as mulheres são mais explicativas, mais detalhistas no desenvolvimento de suas atribuições. Desejo que no futuro tenhamos mais igualdade e respeito por parte da sociedade em geral. Na minha opinião isso começa dentro de casa, quando as atribuições domésticas são distribuídas de formas iguais, quando um pai ou uma mãe incentivam os seus filhos da mesma maneira, sem distinção de gênero".

Capitã Madalena Denzer Krüger Bösel, chefe da Agência de Inteligência da 1ª Seção Administrativa e comandante da 2ª e 3ª Companhias Operacionais do 4° Batalhão de Polícia Militar
"A pandemia trouxe alterações significativas a todos e impulsionou para que nos reinventássemos para atender as missões. Atuamos legitimados em fazer cumprir as normativas. Não sofri em qualquer momento qualquer resistência por ser mulher, muito pelo contrário, recebi muitos elogios pela mulher estar inserida nesse contexto. Acredito que a pandemia ressignificou ainda mais a minha força, seja na seara pessoal como profissional, pois é um desafio constante sermos melhores e eficazes. Ser mulher complementa o enfrentamento, pois a presença feminina contribui para que o trabalho seja desenvolvido com excelência, uma vez que ela traz amplitude e sensibilidade. Nos primeiros meses de pandemia, notou-se um aumento de chamados para atendimento de ocorrência envolvendo violência doméstica, no entanto, a partir de um trabalho que foi desenvolvido com outros setores percebeu-se que este número caiu e normalizou. O meu papel como mulher, como policial militar, é encorajar, chamar estas mulheres para que não deixem de registrar toda e qualquer violência que seja voltada contra si. Que todas possam realizar seus sonhos sem temor e qualquer tipo de discriminação".
Cintia Helenice Löper Aires, 38 anos, Coordenadora do Observatório de Segurança Pública
"Como coordenadora do Observatório, senti a necessidade de ter que trabalhar mais para dar conta do que esse novo cenário exigia, então minha jornada de trabalho aumentou, assim como a questão familiar também exigiu mais. Eu tenho uma filha que fez 7 anos agora, então ela está em processo de alfabetização, isso foi muito difícil porque nós praticamente tivemos que alfabetizar em casa. A pandemia me tornou mais cuidadosa, porque preciso pensar a todo instante em todos que amo e quero bem, tomar o máximo cuidado para não me contaminar e contaminá-los, só que isso é muito difícil. O trabalho exige muita responsabilidade e é bastante desgastante, mas é muito prazeroso poder ajudar de algum modo. Ser mulher nesse contexto só auxilia, penso que as mulheres são muito mais determinadas, tem mais cuidado e atenção para o trato com a informação. Temos a habilidade de lidar com vários aspectos de diferentes maneiras. Apesar de estar como coordenadora do Observatório, sou guarda municipal e meu trabalho é auxiliar as instituições de segurança pública, onde, historicamente, o ambiente é masculino, então por mais que eu tenha o respeito de todos, isso precisou ser conquistado. A mulher primeiro precisa provar que é capaz. Porém, as resistências estão diminuindo e nós, mulheres, estamos aos poucos conquistando mais espaço."
Notícias Relacionadas

"Mulher, seus direitos não tiram férias" realiza-se no Laranjal com apoio da Prefeitura